Resenha literária da obra “nunca me deixes” de Kazuo Ishiguro
Por Katssekya Samuel
Comecei a ler a obra, que ganhou o prémio nobel da literatura 2017, numa
manhã cinzenta de 04 de janeiro de 2020. A chuva começou a cair forte nas
primeiras horas da manhã e durou o dia todo. As gotas de chuva espalhavam, por
toda Luanda, até se diluírem em missangas incolores que caíam do céu nublado.
Estas gotas invadem os asfaltos dos Musseques e da baixa de Luanda. Era uma ma espécie de
espelho líquido. Aproveitei apreciar este espetáculo da natureza sentada numa
poltrona saboreando a minha chávena de café e me deleitando com o romance do
escritor Kazuo Ishiguro, de nacionalidade japonesa. Terminei de ler o romance”
em quinze dias.
Kazuo Ishiguro é um escritor que vive na Inglaterra desde os cinco anos de
idade e tem várias obras publicadas. “Nunca me deixes “foi publicada pela
Editora Gradiva.. É uma obra composta por trezentos e trinta páginas. E está
dividida por três partes. A história é narrada na Inglaterra, finais da década
de 90. Entende-se que é uma literatura de ficção, onde escritor se inspirou na vida dos doares de sangue.
O cerne da ação começa num
colégio interno ilícito de nome Hailsham, algures na Inglaterra. Constatou-se
que o objectivo desta instituição era de educar crianças dos
cinco até aos 16 anos de idade. Quando
os alunos de Hailsham concluíssem o ensino médio com uma monografia, eram
transferidos para uma outra instituição onde viviam o período da fase adulta,
antes de se tornarem ajudantes e doadores. Esta instituição chamava-se Herdade.
É nesta conjectura que enredo se
desenvolve de forma deprimente, esquizofrénica e sombria.
Ao ler este romance fui convidada
não só a conviver com as personagens, como também a percorrer as cidades de
Inglaterra, os hospitais, as lojas, as estradas, os rios, as escolas e o
cheiro das cidades.
Dentre as inúmeras personagens, o
escritor destaca três personagens principais:
Kath, Tommy e Ruth. Kath é a narradora
do enunciado e a personagem principal.
Isto significa que a narrativa é autodiegética, ou seja, é contada na primeira
pessoa. No que tange à primeira personagem, trata-se de uma pessoa calma,
conselheira, determinada inteligente, intelectual, carinhosa, compreensível,
comunicativa, gosta de trabalhar, que gosta
se ler livros literários, tem uma boa inteligência emocional e é empática com
os amigos. Porém, constatou-se que apresenta
algumas dificuldades de interação interpessoal e não tem medo da
solidão. Analisou-se também que esta gosta de andar de
carro e observar paisagem, e está muito agarrada às vivências da infância.
A segunda personagem é Tommy D. A
narradora descreve Tommy como uma pessoa desastrada, distraída, meiga,
respeitosa, tem uma inteligência normal. É teimoso, inseguro e muito dependente
em termos emocionais de Kath H. e da Ruth. Digo isso, porque era muito
influenciado pelas opiniões de Kath e da Ruth. Na adolescência e na fase
adulta,Tommy namorou com a Ruth e tinha
a Kath como sua melhor amiga, pois esta sempre o apoiou na infância.
Ruth é a terceira personagem. Trata-se
de uma personagem impulsiva, calculista, brincalhona, inteligente, egocêntrica,sonhadora,criativa,
gosta de ser o centro das atenções, tem capacidade de liderança e muitas das
vezes vivia num mundo imaginário para fugir da realidade. Como já tivera dito
acima, Hailsham é um colégio que educava crianças que estavam sob a
responsabilidades dos tutores de ambos o sexos. Dentre as inúmeras disciplinas,
a poesia, a arte e a literatura eram áreas que
os tutores davam maior importância. Era obrigatório desde os cinco anos
fazerem desenhos, escrever poesia e ler muitos livros
Halisham tinha duas
preocupações. A arte funcionava, a meu ver,
como uma terapia ocupacional para os alunos poderem lidar com as frustrações da vida e das
que estavam por vir. Podemos afirmar que esta instituição preocupava-se com o desenvolvimento pessoal dos alunos e dar
uma infância normal aos alunos. Porém, o
real objectivo era de criar alunos para programa de doações de órgãos.
Antes dos alunos serem dadores,
trabalhavam como ajudantes de doadores de órgãos e de sangue. E isto nunca lhes
foi dito claramente quando estavam em Halisham. Contudo, o que os alunos não sabiam
era
os reais objectivo daquela instituição e
a razão de terem sido criados pelos tutores e a margem da sociedade. Estes não tinham contacto com mundo exterior
para além das instituições onde viviam.
Dado que os alunos não sabiam o que lhe esperavam, pelo que deixava-os
muito ansiosos e sem rumo. Apesar de tantas inverdades ocultas, Kath e Tommy,
que mais tarde tornaram-se namorados, por incentivo de Ruth.
Tendo em vista que Tommy e Kath
eram muito amigos, pouco antes de sua
morte, Ruth pediu desculpas a amiga por lhe ter separado de Tommy. Convém
lembrar que Ruth morreu num Hospital de convalescença na sua quarta doação de órgãos. Tendo em conta que era uma personagem muito
sonhadora, esta antes de partir para o mundo do desconhecido, pediu aos amigos
para solicitassem um adiamento de órgãos.
Segundo a Ruth, o adiamento de três anos , caso os
alunos provassem que estivessem apaixonados, poderiam viver a sua relação amorosa durante três anos. Através desse adiamento de três aos, Kath e Tommy podiam viver a sua
relação amorosa, antes de serem dadores de orgaõs. Por outro lado, notou-se que depois do
adiamento, estes retomariam as suas
actividades como dadores. O casal amoroso de alunos procuraram as responsáveis
do colégio de Hailsham que mais tarde foi encerrado quando o mundo descobriu
que os alunos eram educados para serem dadores de órgãos. Infelizmente, as
coordenadoras do colégio, indeferiram o pedido de Tommy e Kath, roubando a
esperança e a fé das personagens.
Deste modo, pude inferi que os
alunos eram considerados de infra-humanos. Estes não tinham direito de terem
filhos, fazer carreira , de sonhar e de serem donos da sua própria vida. Indubitavelmente,
todos os alunos de Halsham serviam apenas para estarem no cama de hospital e adorarem
órgãos até a morte, pelo que nos mostra
que estes não tinha livre arbítrio.
Apesar de lhe serem negados o
adiamento de órgãos, eles não fugiram dos seus destinos. . Passado algum tempo, Tommy, que estava preste a realizar a sua quarta doação, pede a Kath
para deixar de ser sua ajudante. Kath estava inconformada de deixar de ajudar o
seu amor. E mais tarde compreendeu que por mais que ficassem a nadar juntos ao
mar, que cedo ou mais tarde seriam separados pelas ondas altivas. Foi assim,
que Tommy despediu-se de sua amada com muita nostalgia para ir cumprir o seu
destino: doar órgãos para as pessoas até
encontrar-se com a morte. Faltava pouco tempo também para a Kath tornar-se uma
dadora.
Após a morte de Tommy, a
narradora recorre as memórias do colégio
ilícito de Hailsham e de uma infância
supostamente feliz ao lado de Tommy e Ruth. Considerando os conflitos
vivenciados pelas personagens, é uma história de falta de humanidade, de amizade,
carregada de nostalgia e de amor impossível. Trata-se de uma narrativa de perdas insuperáveis e de um
profundo terror. Deste modo, esta obra literária
provoca pingos de lágrimas e uma
respiração afagante. Bem, na verdade, lembro-me
de experienciar esse tipo de
emoções quando estava a ler a obra de Aníbal Simões, Cipembwa . É
neste universo carregado de emoções negativas que Kazuo
nos faz refletir como os inúmeros acontecimentos que vão
surgindo na nossa sociedade, que por vezes, podem existir indivíduos tão cruéis
que exploram e tratam as pessoas abaixo de seres humanos.
Dado ao exposto, esperava-se que as personagens lutassem no sentido de desmantelar a rede de
pessoas envolvidas no programa ilícito de órgãos e de sangue. E de não aceitarem as crenças e o destino
que lhes foi imposto de forma cruel. Porém, em vez disso, observamos um grande
conformismo da parte das mesmas. Conclui-se que o escritor nos brinda com uma
narrativa arrepiante, de suspense que os dadores deixavam de viver para dar
vida a outras pessoas que mal conheciam.
Apesar de ser uma obra de ficção, nos permite fazer uma introspeção sobre o números de
pessoas que são vítimas de tráfico
humanos para serem dadores contra a sua vontade. Por outro lado, nos leva também a refletir o quanto certas pessoas são
categorizadas na sociedade em diferentes classes sociais. E até que ponto a bioética traça os limites das
experiências médicas.
Sem sombras de duvidas, é
um romance de terror, que tem como pano
de fundo o amor e o conformismo. Confesso que é uma obra melancólica,
revoltante ao saber que as personagens
não amadureceram mentalmente para
escaparem do terrorismo que lhes
foi decretado. É uma narrativa pesado de se ler, pelo facto de estar carregado
de tristeza ,medo
e de falta de esperança. Contudo, nos leva a pensar até que ponto somos donos
das nossas próprias vidas quando estamos presos mentalmente nas nossas representações sociais e culturais.
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