Resenha da obra literária “Feitiço da Arama de Abóbora” de Aníbal Simões
Comei a ler a obra literária “feitiço de arama de abobora”, numa tarde ensolarada, no mês de Julho. Os raios de sol embatiam-se embevecidos sobre os vidros da janela de casa. Este cenário de verão aqueceu o meu coração impedido do convívio social. Verdade seja dita, a leitura foi a forma saudável que eu encontrei para me desligar um pouco da covid-19. Deste modo, fiquei a espera do arco-íris e treinei a minha paciência. Eu podia ler esta obra em dez dias. Porém, tive de prolongar os dias de leitura devido ao repertório cultural ao longo de todo enunciado literário. Confesso que foi interessante deleitar-me no enunciado do “feitiço”. Risquei e anotei cada frase na língua umbundo, e não só, encontradas no livro. Lembro-me que lamentei muito quando a história chegou ao fim. No decorrer da leitura , o escritor estendeu-me o convite para conviver com as personagens, sentir o cheiro da terra molhada quando caiem as primeiras gotas de chuva, percorrer as florestas, sentir a flagrância das flores que verdejam as aldeias, saborear a comida com as mãos ouvir os sons dos batuques, sentir o barulho das águas dos rios, ouvir os cantos dos pássaros, ouvir até a gota de agua que caí de uma folha. Fui convidada também a ouvir o zumbir dos insectos, ver as brincadeiras das crianças e analisar as superstições dos adultos. No fundo, o escritor ofereceu-me uma viagem cultural para reviver os hábitos e costumes da cultura de Angola. Senti que fazia parte daquela história. E vou partilhar com vocês a minha viagem pelas leituras deste romance.
Prestem atenção.
O feitiço da Arama de Abobora é um grande romance, de Aníbal Simões, que 1991 ganhou o prémio literário da Sonangol. A obra teve um bom acolhimento a nível nacional e internacional. Foi tema de teatro, mestrados e teve muitas críticas literárias. Em 2015 foi integrada na colecção das obras literárias clássicas de Angola. O livro é constituído por 276 páginas.
O feitiço de Rama de Abóbora conta-nos a história de um jovem caçador que vivia numa aldeia de Angola com à sua família. A personagem principal chama-se Cisoka, filho de Ciwale e Esendje. O cerne da trama começa quando o Cisoka é obrigado abandonar a aldeia porque os habitantes locais não conseguiam conviver mais com ele devido o feitiço. .Foi lhe lançado o feitiço de arama de abóbora. E o seu comportamento era muito imprevisível. Nisso, os pais resolveram o conflito ordenando a Cisoka que este fosse a busca da cura do feitiço que foi lhe lançado. “Feitiço que” cresce no arimo, o arimo que amaldiçoou a maldade dos homens; homens machado com o mal por terem visto o gado, gado obtido na terra dos homens que andam no mar…”
Ao longo da jornada, Cisoka
aprendeu muitas coisas com os
habitantes da aldeia onde pernoitava para descansar. Cada aldeia tinha sua
cultura, a sua história, os seus contos e provérbios. E Cisoka vivenciou todas
essas crenças por onde passava. O feitiço, os rituais, os sekulu, feitiço de
maboque, de ameixeira silvestre, sortilégios, rei, aldeias, contos , provérbios,
advinhas , os antepassados, morte e perseguições destacaram-se desde
o principio até ao fim da narrativa. Para qualquer conflito que surgisse
na vida de Cisoka, dos habitantes, eram resolvidos por um grupo de anciões e
pelo feiticeiro da aldeia. Os velhos eram todos conotados como possuidores de
sabedoria e de feitiços. No fundo, o narrador mostra-nos que devemos respeitar
os cabelos brancos dos mais velhos e bebermos da sua experiência de vida. A personagem teve três esposas durante a
jornada. No decorrer da viagem, Cisoka casa-se com Nafulu com quem teve um
casal de gémeos. Apesar de ter se casado por amor, volte e meia, pensava em
retomar a sua viagem e levar consigo a família. A família era muito importante para Cisoka e
jamais a abandonaria. Anos mais tarde, Nafulu, sua esposa e seus filhos morreram do feitiço de
ameixeira silvestre. Depois do luto da
sua esposa, este continuou com a sua viagem.
Andou de aldeia em aldeia durante muitos anos, até que encontrou duas
mulher: Luwa e Ngendapi. Foi obrigado
por elas a fundarem uma aldeia e viverem uma relação poligâmica. O narrador consegue
explorar muito bem os sentimentos negativos
de uma relação poligâmica como: de ódios, inveja, ciúmes . O narrador
mostra-nos que Cisoka era um rapaz
inteligente, sereno, calmo, sensível e tímido, quando não estava sob o efeito do feitiço, é claro. Cisoka
era alguém que se deixava levar pelas mulheres. Para começar, nunca tomava
iniciativa sobre o rumo das relações amorosas e quem mandava eram sempre as
mulheres. Verdade seja dita, vemos aqui
uma grande valorização da mulher angolana. Elas não são tratadas em nenhum momento como objetos
sexuais, pelo contrário, são sempre elas que tomam as decisões das aldeias e da
famílias de forma subtil . Por outro lado, faz uma crítica as relações poligâmicas, pois acabam sempre em tragédia, tal como a Ngendapi
matou a Luwa por ciúmes de Cisoka.
Para além dos feitiços, as perseguições de mortes, os grandes obstáculos
que o impeliam a viajar eram as mulheres que ele encontrava em cada aldeia. Era
um homem passivo e acreditava fortemente num olhar feminino. Porém, amou de verdade
apenas a sua falecida esposa Nafulu. A morte de sua esposa
deixou-lhe de rastos e volta e meia entrava em depressão ao lembra-se dela. Daí que o facto de ter tido uma relação poligâmica
causada pelo desgosto da ausência de sua amada.
Pela narrativa do enunciado, o Cisoka sofria de uma crise existencial profunda. O
narrador descreve que a personagem tinha medo, por vezes, do seu
comportamento e que agia assim por causa do feitiço. O feitiço é uma metáfora
para retratar a falta de consciência, memória e identidade de um indivíduo ou
da sociedade angolana. E o Cisoka vai
tentar resgatar a sua identidade cultural através de uma viagem
ontológica.
Indubitavelmente, a viagem é a
busca incansável pela sabedoria e a recuperação do seu self. Pois nem todas as conseguem alcançar devido os contratempos
que vão encontrar pelo caminho. E isso aconteceu com o Cisoka, mas ele
recuperava o fôlego e depois focava - se na sua jornada solitária.
No final da viagem, o Cisoka tornou-se um
velho sábio, igual a um sekulo. Para alcançar um aprendizado profundo, o Cisoka
teve que abdicar da sua juventude. A lição que retiramos deste romance é que
leva muito tempo para sermos a pessoa sábia que queremos nos tornar. Porém, nós
temos que ser fortes e ir em busca do nosso eu interior, tal como fez o Cisoka.
Este romance mostrou-nos que não interessa o tempo que levamos para sermos
pessoas emocionalmente estáveis e sábias. Mas sim, o mais importante é o
processo dessa busca para o desenvolvimento pessoal, cultural e espiritual. Ou
seja, ser uma pessoa madura significa policiar sempre os nossos instintos, egoísmos
e vaidades. …e, isso doí e muitas pessoas desistem desta viagem. Daí que para
começar uma viagem para resgatar a sua
identidade a pessoa tem de ser com muita conscienciosa.
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