Resenha Literária da Obra “Cipembúwa” de Aníbal Simões
Confesso que estava a procura desta obra já há muito tempo. Comprei este livro numa
tarde de solerada, algures nas ruas do Primeiro de Maio. Neste dia, saía do
trabalho depois de muitas sessões de consultório. O semáforo ficou vermelho e eu tive de ficar à espera do sinal
verde. É nesta altura que os vendedores ambulantes aproveitam para venderem os
seus artigos aos condutores. Foi assim que
me deparei com a obra Cipembuwa que estava por cima de vários livros. O
vendedor vendeu-me a
cinco mil kwanzas por se tratar, segundo o mesmo, de uma obra rara. Bem, procurei não regatear o preço. Comprei
logo! Devo dizer que dos nove livros de romances
que li durante o ano de 2019, este
foi o livro o que mais me marcou. É uma obra com um enredo cativante. E identifiquei-me logo com a obra. O escritor
procura não portuguesar as palavras em línguas nacionais como fazem certos
escritores luso-angolanos. Isto mostra que o mesmo teve muito cuidado ao
descrever as palavras em língua nacional. É um verdadeiro poço de conhecimento para quem
quer beber um pouco da cultura angolana. Tive de recorrer várias vezes ao
dicionário de língua nacional umbundo
para compreender certas expressões idiomáticas, e não só. Este exercício deu-me
um certo gozo. Foi um grande deleite ao ler as linhas do enunciado e encontrar
traços marcantes da nossa cultura neste romance.
Aprendi muito!
O exercício de leitura, que muitas
das vezes é solitário, permitiu-me fazer uma viagem de resgate de certos valores
culturais negligenciados por mim por falta de atenção!
A presente obra
literária é um romance com o título de
Cipembúwa . Foi escrita pelo
escritor Aníbal Simões, com o pseudónimo de Cikakata Mbalundu. Este romance foi
distinguindo pelo concurso Sonangol de Literatura com Menção Honrosa, em 1986.
A obra é composta por cento e sessenta e
duas páginas e sem índice. A história
divide-se entre três aldeias: Kalelepo , Kacitunda e Cipembúwa.
O enunciado do enredo desenrola-se na época de guerra civil. Trata-se de um conflito armado após a independência
de Angola. E podemos constatar isso (p.
88), quando o personagem principal diz: “Os sul africanos tinha atacado de novo.”
O excerto mostra que o narrador tem stress pós-traumático . Afirmamos Isso
porque o mesmo fez um flashback ao reviver as investidas dos sul africanos.
Quanto as personagens principais temos a destacar: o narrador, de nome Mbambi, a mãe do
narrador, o seu irmão de nome, Cikambi, o Sekulo Cipwaka, o seu pai e a mulher com quem teve uma breve relação amorosa, Grisilda.
O
narrador deve ter provavelmente vinte cinco anos. É um rapaz calmo,
inteligente, curioso, muito racional, carinhoso, dramático, humilde e muito independente.
A segunda personagem, mãe de no narrador,
é uma senhora do campo, inteligente,
reclama muito da vida pelo facto de ter tido apenas filhos e não filhas. Vivia angustiada
com a chegada da velhice por achar que seria muito mais bem cuidada, nesta fase
de vida, caso tivesse tido filhas. Contudo, conforma-se com a situação, por
saber que há pessoas que nem sequer filhos têm. Agradece
pela bênção de ter passado pela experiência
da maternidade. Por outro lado, analisamos que a mesma tem
boas estratégias de cooping para
poder lidar com os conflitos da maternidade. Rapidamente, conseguiu lidar com a
situação, graças ao tecido cultural. A cultura foi um dispositivo que lhe
permitiu sublimar o sentimento de tristeza por ter tido apenas varãos. E,
isto podemos ver ao longo do enunciado quando ela explica aos filhos que” Citula é vossa irmã”. Não é vossa prima” . A minha
irmã é vossa mãe. As filhas dela são vossa irmã”.
Relativamente
à terceira personagem, Cikambi, trata-se de um
adolescente que está na casa entre os 14 e 15 anos. É um pouco distraído, dependente, meigo,
muito desconfiado e inteligente, porém ingénuo e brincalhão. Podemos evidenciar o quanto este é brincalhão
no texto, quando o sekulo diz:” Vamos voltar para Kalalepo(…..). Não vistes o Mbambi
cruzar no nosso caminho olhando para nós?..... É sinal de azar. E “você Cikambi não fica só a rir”.
Uma outra personagem que teve bastante
destaque foi o sekulo Cipwaka. É um
idoso que, provavelmente, estava na casa dos 65 anos de idade. Inferimos está idade pois, a
mãe do narrador apresenta o sekulo aos filhos disse:” Mas vocês conhecem o
velho Cipwaka? (..... ) . Ele é quase filho da vossa avó Nanga. A irmã mais
velha da minha mãe” .O narrador o descreve como alguém que tem um bom senso de
humor, de justiça, muitas vivências,
supersticioso, ansioso, agarrado
aos hábitos e costumes da terra ,sábio
e muito pessimista. Os traços de pessimismo aliados às crenças feiticista verificam-se na página 76,
quando o mesmo diz o seguinte: “não podemos continuar com a viagem. Vamos
voltar para Kalalepo(…..). Não vistes o bambi cruzar no nosso caminho olhando
para nós?”
Uma das personagens que nos é apresentado no enunciado é o pai do
narrador. Este era dinâmico, inteligente, carismático, muito sociável ,
respeitado pela comunidade e com grande traço de liderança. E, isso, pode ser comprovado na página 77 quando o narrador expõe que” meu pai optara
por fundar uma nova aldeia entre a missão e a vila”.
A história inicia
quando o narrador dá entrada no banco de urgência de um hospital em estado grave!
Quando este começa a sentir-se melhor, conta a sua história de vida ao seu
colega de cama. Este começa por descrever como foi a fase de seu nascimento
para tentar explicar o significado de seu nome. Refere que o nome que lhe foi
dado foi do seu avô e que estava carregado de significados. Subtende-se que a família
quis fazer uma homenagem ao avó do personagem, pelo facto daquele ser muito valente.
E gostariam que o narrador se
identificasse com o avó, coisa que não aconteceu.
A história principal ganha vida
quando à mãe do narrador pede aos seus filhos para viajarem a Cipembúwa para irem buscar avó materna (
pag.25 ).Uma vez que os filhos reclamavam dos riscos da viagem( pag
.26), é nesta altura que à mãe apresenta o Sekulo aos filhos
dizendo que o “ Sekulo Cipwaka
vai acompanhar-vos” (pag.28) até
Cipembuwa”.
Este
facto nos permite inferir que o
enunciado tem uma matriz matriarcal e um simbolismo cultural muito forte . Por outro lado, no decorrer da leitura, analisamos que o
escritor apoia-se na corrente do
realismo mágico para escrever o enredo. O narrador
faz uma crítica social sobre as consequências
da guerra civil em Angola. A cultura, a filosofia angolana e a
história de Angola constituem as abordagens do romance.
Quando o escritor descreve as vivências da
personagem Grisilda, leva-nos a compreender que faz uma crítica ás famílias pelo facto de muitos pais serem
negligentes para com a segurança dos
filhos, sobretudo, quando se trata de meninas. Esta personagem é retratada com
uma pessoa independente, altiva, sensível e voltada para as causas sociais . É alguém que tem muita resiliência pelo facto
de conseguir lidar com os traumas derivados do abuso sexual que sofrera na
adolescência, por um inquilino que alugara o anexo de seu pai. De igual modo, o
escritor procura sempre chamar atenção
dos leitores sobre o papel da mulher na família
e na sociedade, quando esta é bem educada. E podemos ver este modelo de
mulher retrada na figura de Grisilda e de sua mãe. Grisilda trabalhava como voluntária humanitária para uma ONG, onde cuidava de crianças
abandonadas. Sendo assim, conjecturo
que a Grisilda, ao trabalhar com
crianças abandonadas, estava a fazer
aquilo que ela gostaria que tivessem feito na fase em que esta foi abusada
sexualmente. No fundo, esta figura dá
um modelo de escape de sublimação para algumas raparigas e mulheres que passam
por um abuso sexual. Indubitavelmente, a sublimação contra o flagelo da
violência sexual foi um mecanismo para poder lidar com a dor severa que dilacerava o bem-estar subjectivo de
Grisilda. Para além da paixão que o
narrador nutria pela Grisilda, este explora com muito requinte temas como
stress pós traumático de guerra e stress agudo
causado pelo de abuso sexual . Também
tenta mostrar, ao longo das cento e
sessenta e duas duas páginas, que devemos
respeitar a sabedoria dos mais velhos, bem como as nossas crenças culturais para
termos um bem-estar geral.
Palavras
em Umbundo:
Bambi
Kalelepo
Kacitunda
Cikambi
Sekulo
Nanga-
nome da avó do narrador
Onjuga-
trabalhadora
Citula -
por Katssekya Samuel
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